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Capela de São Miguel Arcanjo

De mãe para filha

lembrancas

A capela de São Miguel Arcanjo traz histórias de gerações, em especial as cerimônias de casamento de Natalia e a de sua filha, Fátima. Natalia Garcez Della Torre, 69 anos, é uma portuguesa que veio para o Brasil com 13 anos. No dia 26 de dezembro de 1959 casou-se com o paulista, natural de São José do Rio Pardo, Pedro Della Torre, 76 anos.

O cenário do casamento foi a capela de São Miguel Arcanjo, com uma cerimônia realizada pelo padre Aleixo Mafra, figura importante para a história do bairro de São Miguel Paulista.

Dona Natalia conta que a cerimônia foi muito bonita e inesquecível. “No dia em que casamos, houve oito casamentos, era um em cada uma hora”, recorda. “Lembro de tudo, não tem como esquecer”, completa, com um brilho intenso nos olhos, provavelmente o mesmo de 50 anos atrás, quando entrava toda de branco pela antiga porta da capela.

Dessa união nasceu Fátima Regina Della Torre, hoje professora e com 39 anos, que sonhava em se casar na mesma igreja em que sua mãe casou. Ela lembra que não queria casar na catedral e que, na época, a capela estava fechada para atividades religiosas e abrigava uma exposição, que terminaria no dia 7 de setembro de 1988.

Pedi autorização para o padre Olivão e a capela foi desocupada no dia do casamento. Foi uma correria”, relembra Fátima, que casou no dia 8 de setembro de 1988, na igreja que estava fechada há 24 anos.

casamento

Recorte de jornal do bairro falando sobre o casamento de Fátima e Alberto

Capela de São Miguel Arcanjo

O CIDADÃO, jornal laboratório produzido pelos alunos de jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul, trouxe em sua edição de maio, número 33, uma matéria sobre a capela de São Miguel Arcanjo, localizada na zona leste da cidade de São Paulo. Leia esta reportagem assinada por mim, Felipe Godoy, e pela minha amiga Marília Lino.

jornalcidadão

387 anos de história

No ano de 1560, um grupo de índios guaianases, liderados pelo cacique Piquerobi, assustados pelo grande número de colonizadores europeus, fugiu do Pátio do Colégio e se estabeleceu às margens do rio Ururaí, hoje Tietê.

Com o objetivo de continuar o processo de catequização dos guaianases, o jesuíta José de Anchieta foi enviado pelo padre Manoel da Nóbrega à várzea do Ururaí, região atualmente conhecida por São Miguel Paulista. Logo após a sua chegada, o padre construiu uma pequena casa religiosa para o seu trabalho de cristianização dos índios.

O padroeiro escolhido para a igreja foi São Miguel Arcanjo, cuja escolha possui duas hipóteses: a primeira, pela semelhança do espírito combatente do arcanjo com a postura guerreira dos guaianases; a segunda, pelo fato de São Miguel ser o patrono da cidade natal de Anchieta. A igrejinha foi erguida de maneira estratégica, mais alta em relação ao leito do Ururaí, dando visão dos índios tamoios que usavam o rio para atacar os seus inimigos guaianases e de todos que subiam rumo à São Paulo.

Em 1622, a rudimentar igreja de Anchieta foi demolida, dando lugar a uma outra capela de taipa de pilão, construída pelos índios, com o comando do bandeirante e carpinteiro Fernão Munhoz e do padre jesuíta João Álvares. De acordo com a inscrição na porta principal, a obra foi concluída em 18 de julho de 1622, tornando-a a igreja mais antiga da capital paulista e a primeira construção em taipa de pilão do Estado.

capela

No século XVIII, com a expulsão dos jesuítas do Brasil, os frades franciscanos assumiram o local e, sob o comando do frei Mariano da Conceição Veloso, reformaram e ampliaram o prédio. Nessa reforma, paredes foram erguidas com adobe – tijolo artesanal utilizado em Minas Gerais naquela época –, o pé direito da nave lateral foi aumentado, duas janelas foram abertas acima do telhado, uma capela lateral foi erguida em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e elementos decorativos de madeira foram implantados, dando à igreja características franciscanas. A estrutura original, entretanto, foi mantida.

Após esse período só há registros de modificações na capela no século XX. Em 1904, um forro foi colocado na nave e, em 1926, a Prefeitura de São Paulo deu início a obras de preservação que não chegaram, porém, a ser concluídas.

Na década de 1930, vendo a necessidade da preservação do patrimônio histórico do Brasil, Mario de Andrade elaborou o projeto de uma instituição governamental que protegesse bens históricos nacionais. Surgiu, então, em 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A capela de São Miguel foi um dos primeiros bens tombados de acordo com a nova instituição. Em 1940, uma grande restauração foi comandada pelo arquiteto e diretor regional do Sphan em São Paulo, Luis Saia, que encontrou o prédio abandonado, danificado e descaracterizado. O restauro foi concluído em 1941, reconstituindo e livrando a capela de traços que Saia considerava indesejáveis.

Com a construção da catedral de São Miguel, em 1965, a poucos metros da capela, os trabalhos religiosos foram migrados para a nova matriz, deixando a Capela dos Índios, como é chamada por moradores da região, em segundo plano. A capela ficou fechada para cerimônias religiosas durante 24 anos, passando por uma recuperação estrutural e das instalações, no início da década de 1980, e foi reaberta em 1988, com o casamento de Alberto Abe Junior e Fátima Regina Della Torre.

Segundo o secretário da Associação Cultural Beato José de Anchieta, Alexandre Galvão, 34 anos, responsável pela capela, a igreja ficou fechada todo esse tempo por falta de interesse. “A consciência do patrimônio artístico, cultural e arqueológico no Brasil é pequena ainda. É por isso que fazemos um trabalho de educação patrimonial, com visita de escolas”, afirma o secretário.

A capela ultrapassa São Miguel, São Paulo, Brasil (…). Já vieram alguns professores da Espanha, de Portugal. Ela é única, tem elementos aqui na capela que, ou você vem conhecer aqui, ou você não conhece. Ela é testemunha da história”, diz. Galvão ainda conta que vários acontecimentos marcaram a capela no último século. Na década de 1990, um show na praça Padre Aleixo Mafra, onde fica localizada a igrejinha, não suportou a quantidade de pessoas que compareceram. Indignados por não enxergar nada, muitas pessoas subiram na capela e jogaram as telhas originais de 1622 nos carros que passavam pela avenida. Certa vez, um homem invadiu a igreja e destruiu várias imagens históricas e, no ano passado, um sino de cobre de 25 quilos foi roubado.

Atualmente a capela passa por uma restauração encabeçada pela Associação Cultural Beato José de Anchieta, que conseguiu o apoio financeiro de algumas instituições interessadas na preservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro.

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Interior da capela já restaurado. (Fotos: Felipe Godoy)