Informação que direciona a ação

por Carina Eguía e Felipe Godoy para revista SP Câncer

A Fundação Oncocentro de São Paulo concentra e analisa as informações sobre a doença no estado. A partir desses dados, é possível formular políticas públicas de controle da doença e assistência do paciente com câncer.

Categórico e veemente. Assim é o médico epidemiologista José Eluf Neto, presidente da Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP) e professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), ao defender o papel da entidade, e os valores agregados do estudo epidemiológico do câncer, na definição de estratégias e políticas públicas para o controle da doença.

Fundada em 1967, como Centro de Oncologia (CEON), por um grupo de professores da FMUSP, o objetivo principal da entidade era de incentivar e coordenar o estudo de atividadesem câncer. Seteanos mais tarde, a Lei Estadual nº 195 transformava o CEONem Fundação Centrode Pesquisaem Oncologia. Comisto, a entidade agrega à seus objetivos precípuos o incentivo à pesquisa, enssino e assistência, concentrando, ainda, o estímulo de atividades de prevenção e detecção precoce da doença. Hoje, a Fundação Oncocentro de São Paulo é responsável, entre outras funçãões, por gerar dados epidemiológicos do câncer referentes ao Estado de São Paulo, promover a formação de cancerologistas e o treinamento de técnicos especializados, desenvolver pesquisas e métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer.

SP Câncer – O sr. Assumiu a presidência da Fundação Oncocentro em março de 2011. Como foi receber o convite para atuar nesta respeitada instituição ?

JEN – Receber o convite para presidir a Fundação, me deixou temeroso. Até aquele momento eu não havia acumulado experiência no Sistema Público, além de ter trabalhado em um centro de saúde ligado à Faculdade de Medicina. Mas, ao considerar que a epidemiologia é uma ferramenta fundamental para o controle do câncer, e tendo consciência de que essa é a minha especialidade, entendi que eu poderia contribuir de alguma maneira para o desenvolvimento da FOSP.

O interessante é que, ao analisarmos a história da entidade, podemos notar que ela teve seu início na FMUSP, como CEON, já manifestando, desde o primeiro momento a preocupação em atuar diretamente na prevenção e detecção precoce do câncer, principalmente do câncer ginecológico e de mama. Na área da assistência, o início da entidade foi marcado pela produção de próteses buço-maxilares. A preocupação com o registro epidemiológico da doença surgiu mais tarde, mas não tenho dúvida de que este seja, atualmente, o principal papel da entidade.

SP Câncer – Entre o registro de câncer, a formação de profissionais e a assistência, como está a atuação da FOSP atualmente?

JEN – Hoje a FOSP conta com três diretorias adjuntas, a de Informação e Epidemiologia; a de Reabilitação; e a de Laboratório e Anatomia Patológica. A primeira delas é a responsável por realizar o registro estadual de câncer. A área analisa dados de todos os hospitais públicos e de alguns hospitais privados de São Paulo, gerando informações capazes de auxiliar o Governo do Estado no desenvolvimento de políticas públicas para controle da doença. Agora, queremos estabelecer uma parceria para realização de uma pesquisa que permita averiguar como está a mortalidade por câncer. Estes novos dados ajudarão a incrementar as análises, fornecendo uma visão ainda mais completa sobre a situação da doença no estado.

A segunda diretoria concentra a atividade de assistência. Acredito que o atendimento realizado ali à população é uma questão de cidadania. Quando as próteses ficam prontas, os pacientes se emocionam muito, porque isso representa a chave para que ele possa retornar ao convívio social. Justamente pelos benefícios sociais acumulados por este nicho de atuação da entidade – e por ser considerada uma das melhores instituições na produção de próteses – acredito que, a médio ou longo prazo, a área deverá se desvincular da Fundação, dando passos mais largos no desenvolvimento de suas atividades.

Por fim, a diretoria-adjunta de Laboratório e Anatomia Patológica concentra a maior parte dos 105 profissionais da Fundação. Temos o orgulho de manter o melhor centro de formação de citotécnicos do país. É preciso um ano e meio para formar um bom profissional. O setor realiza análises de papanicolau, anatomo-patológicos e imuno-histoquímicos, sendo, este último um exame sofisticado, que demanda maior expertise dos profissionais. Além disso, este exame tem sido ferramenta chave para a decisão de terapêuticas. Assim, a tendência, em termos de futuro, é diminuir, na FOSP, o volume de análises de papanicolau ou anatomo-patológicos, que podem ser feitos por máquinas, e ampliar o volume de exames imuno-histoquímicos.

SP Câncer – Como está, de maneira geral, o cenário atual do câncer no Estado de São Paulo?

JEN – Um artigo publicado pela FOSP recentemente dá conta de que a mortalidade por câncer, ajustada por idade, tem diminuído de maneira geral. Nos países desenvolvidos este é um cenário que começou a se delinear há 10 anos.

Uma das principais razões para isso é a queda de mortalidade da doença no sistema gastro-digestivo, um tipo de câncer causado, principalmente, pelas condições de vida do indivíduo. Outro tipo da doença que tem apresentado queda é a de colo de útero.

Também analisamos que o de pulmão tem começado a cair, principalmente em homens, assim como de tumores que afetam a região da cabeça e do pescoço. Isso pode estar relacionado com a redução do hábito do tabagismo e do etilismo na população. Com os avanços no tratamento, também é possível notar a queda nas mortes infantis provocadas por leucemia linfóide aguda.

SP Câncer – Se os dados de incidência têm aumentado e a mortalidade reduzido, isso significa que é possível conviver com o câncer, como doença crônica. Mas é possível conviver com a doença mantendo a qualidade de vida?

JEN – O consumo de cigarro e álcool são os principais vilões quando se discute a prevenção da doença. Além disso, é preciso estimular ainda mais a população a manter hábitos de vida saudáveis, como alimentação adequada, prática de exercícios físicos e a manutenção de cuidados gerais com a saúde.

De fato, houve um avanço muito grande no tratamento do câncer no Brasil. Hoje é perfeitamente possível conviver com a doença desfrutando de qualidade de vida, assim como portadores de inúmeras outras doenças crônicas o fazem. Nesse sentido, cabe destacar, ainda, a evolução dos cuidados paliativos no país. O que queremos, agora, é desenvolver um indicador que se torne uma ferramenta capaz de avaliar a qualidade de vida do paciente em cuidados paliativos.Esta, aliás, é uma das preocupações do Comitê de Referência em Oncologia, presidido pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do qual a FOSP faz parte.

SP Câncer – O sr. acredita que, ao personalidades assumirem publicamente o câncer, podem estar contribuindo no sentido de disseminar informação sobre prevenção e detecção precoce?

JEN – Eu acredito que a exposição desses casos para o público pode contribuir de uma maneira positiva, sim. Em primeiro lugar, porque esta atitude ajuda a desmistificar um pouco o problema. Em segundo lugar, porque estimula a discussão sobre a doença e leva à população uma consciência maior sobre a importância da prevenção primária e da detecção precoce da doença. Além disso, eu sou otimista. O Brasil tem melhorado em vários aspectos. Um deles é a produção científica, que cresceu significativamente em termos de quantidade e qualidade. As pessoas começam a entender que câncer não é sinônimo de morte; e que é possível conviver com a doença.

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