Archive for abril, 2009

Especial Memórias da Ditadura: A CIÊNCIA EM CAMPO MINADO

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A ditadura militar não poupou nenhum campo da sociedade civil brasileira. Se já não bastasse impedir o livre pensamento político e a manifestação cultural, o duro regime impediu o progresso científico brasileiro, por meio de demissões, aposentadorias e o impedimento de cientistas renomados de exercerem seu trabalho.
O regime militar foi um período marcante na história do país, por toda obscuridade que o cercou, pela repressão e pelo desrespeito aos direitos humanos promovido por aqueles que estiveram a frente do governo da época. O General Camilo Castello Branco, a partir de abril de 1964, que havia prometido uma política democrática, assumiu uma postura totalmente autoritária para impor pela violência o novo projeto de Brasil da burguesia industrial e financeira conservadora aliada à burguesia internacional.
Casos de repressão e tortura foram freqüentes durante a ditadura. A população brasileira sofreu com uma política que não garantia nenhum direito de cidadania.
O período ditatorial afetou vários setores da sociedade, como o campo político, o cultural, o educacional e, inclusive, o campo científico, que exemplifica bem o que a ditadura foi capaz de fazer. O objetivo era reprimir um projeto de Brasil voltado para o desenvolvimento do país livre e soberano.

Como é o caso de alguns professores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo(FMUSP), que durante o regime foram presos, demitidos ou aposentados compulsoriamente, impedidos de exercerem suas funções por suspeitas de envolvimento com movimentos que se contrapunham ao governo militar.

O professor e médico formado em Embriologia e Histologia, doutor Michel Rabinovitch, foi um dos cientistas brasileiros que sofreu com a repressão do regime militar. Ele foi investigado por uma comissão da FMUSP, acusado de ser comunista e de orientar alunos para subversão. Por conta disso, Rabinovitch decidiu sair do país e passou a morar nos Estados Unidos.

Para o doutor, passar por esse processo foi “obviamente desgostoso para não utilizar palavras mais forte”. “O assassinato de Vladimir Herzog e outros me perturbaram bastante”, relata. O professor conta que juntamente com alguns compatriotas nos Estados Unidos, ele tentou denunciar os crimes cometidos na ditadura, porém sem sucesso.
Rabinovitch voltou ao Brasil somente em 1980, com a anistia. Ele conta que recuperou seu cargo por uma hora e foi aposentado pela USP. O professor dirige, atualmente, um laboratório na Escola Paulista de Medicina (EPM), departamento de Micro, Imuno e Parasitologia.

O caso do doutor e professor Erney Plessmann de Camargo, especialista em Parasitologia, também não foi muito diferente. O médico foi demitido de seu cargo e, em seguida, se mudou para os Estados Unidos, onde trabalhou como docente na Universidade de Wisconsin. “O interessante é que o Departamento de Estado americano não fez nenhuma objeção à imigração de um subversivo”, comenta. As pesquisas do ciêntistas estrangeiros favoreciam o desenvolvimento dos EUA no campo ciêntifico, por este motivo eles eram tão bem acolhidos.

Antes da demissão, Camargo e seus colegas se associaram a organizações de intelectuais progressistas dos mais variados tipos sem qualquer vinculação partidária. “Alguns, eu inclusive, estavam próximos do Partido Comunista, mas apenas um ou outro era filiado ao Partido. Tornamo-nos contra o regime militar depois que ele foi instalado, mas até então éramos puramente legalistas e continuamos assim”, relata.
Submetido a um processo junto a Justiça Militar por atividades subversivas, Camargo foi absolvido, mas dois de seus companheiros foram condenados pela Justiça Militar, presos no Navio Raul Soares, e depois libertados.Doutor Erney Plessmann de Camargo voltou ao Brasil a convite da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Porém, ao chegar no país, não tomou posse como docente por causa do Ato Institucional nº5. Ele trabalhou como assessor na Editora Abril, que acolheu muitos intelectuais perseguidos, e trabalhou também em um Laboratório de Análises e na Escola Paulista de Medicina, como professor de Parasitologia.

Em 1985, Camargo resolveu prestar concurso para professor titular na USP, onde foi aprovado e ficou até se aposentar, em 2005. Atualmente, ele é professor Emérito do Instituto de Ciências Biomédicas e também da Faculdade de Medicina, de onde foi demitido em 1964. O médico se dedicou desde o início de sua carreira ao estudo do Trypanosoma cruzi e, até hoje, suas obras literárias são referência obrigatória sobre a doença de Chagas.
Para o doutor Erney Plessmann de Camargo, foi positivo ter participado desta mudança de comportamento. “Confesso que foi um momento histórico de muita curiosidade e questionamento cultural. Foi interessante observar a transformação cotidiana e súbita de um país tradicionalmente conservador”, opina.
A ciência foi vítima do regime militar, tanto quanto a cultura, a educação e a participação política, pois era um dos instrumentos de conquista da soberania brasileira. Ser culto, instruído, produtor de sua própria ciência e tecnologia é o mesmo que ser livre. A ditadura rompeu o projeto do Brasil livre e soberano sonhado nos anos 1950 e 1960 para impor pela violência o projeto de dominação imperialista.
Hoje, as pesquisas realizadas por cientistas brasileiros trazem uma esperança de um país que caminhe com as suas próprias pernas, se desenvolva em prol de toda a sociedade. A ciência a favor da humanidade.

Por: Ana Paula Gomes, Michelle Amaral e Silvia Gonçalves

Especial 28º Bienal de São Paulo: O NADA DISSE TUDO

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O segundo andar vazio da 28ª Bienal de São Paulo, resume tudo o que o evento representou. Nunca fui, mas sempre ouvi falar da Bienal. Sabia que era grandiosa e que era uma forma democrática de trazer a arte para o povo, porém era impossível sair do evento sem a decepção estampada no rosto.

Fiquei imaginando os moradores do bairro onde moro, na zona leste de São Paulo, na exposição: O que eles entenderiam daquelas obras? O que eles levariam de relevante? Como aquilo ficaria marcado para cada um deles? Depois de tanto pensar cheguei na resposta: NADA! O mesmo nada que se sobressaia no segundo andar do edifício. Ao invés de trazer a arte para o povo, os organizadores a afastaram mais e mais.

Lembrei do sociólogo francês Edgar Morin. Em seu livro “Cultura de massa no século XX”, ele questiona: “O que existia antes da cultura de massa? Holderlin, Novalis, Rimbaud, eram eles reconhecidos enquanto vivos? O conformismo burguês, a mediocridade arrogante não reinavam nas letras e nas artes?”. Acredito que se Morin tivesse visitado a 28ª Bienal de São Paulo, ele diria: A elite burguesa continua reinando na arte.

O evento foi MUDO. Isso mesmo, MUDO. As pessoas que não podem falar se comunicam entre si e com quem as rodeiam através de sinais próprios, que só quem os conhecem entende. E assim foi a 28ª Bienal. Somente aqueles que vivem longe, num mundo só deles, em uma elite cultural mesquinha, levaram alguma coisa de lá.

Marcuse respondeu Adorno dizendo que é possível fazer arte depois de Auschwitz, desde de que ela seja revolucionária, e que denuncie uma sociedade unidimensional e leve aos receptores novos valores. O que essa Bienal trouxe de relevante para sociedade? O que ela trouxe de revolucionário e de novo? Novamente o andar vazio responde: NADA.

O trabalho A bondade de estranhos do brasileiro Maurício Ianês, foi uma das poucas atrações da Bienal. Talvez pelo fato de ter chegado nu e ao longo do tempo ter ganhado roupas, comida, dinheiro, entre outras bugigangas, ou talvez pelo fato de ter sido exposto pela mídia brasileira. Entendi que o artista queria transmitir a idéia de solidariedade. Mas é muito fácil você ser solidário dentro de uma exposição ou um museu. E como fica a solidariedade ao passar em um dos tantos faróis da cidade, e ao avistar o flanelinha se aproximando, o vidro do automóvel é rapidamente fechado ? Porém para a elite cultural mesquinha que me refiro, a solidariedade se resume entre eles.

Confesso que enquanto andava entre as colunas monumentais de Oscar Niemeyer, me deu um intenso desejo de ver os quadros de Tarsila do Amaral, do Di Cavalcanti e apreciar uma escultura de Victor Brecheret. Pode ser uma arte distante, como alguns artistas contemporâneos definem, porém seria mais gratificante e emocionante. Por que de alguma maneira eu sei que me identificaria com aquilo. Afinal desde a minha infância sempre ouvi falar dos grandes artistas modernistas brasileiros.

O fracasso desta edição da Bienal, pode ser considerado como uma denúncia. Os artistas ainda vivem em um mundo fechado, só deles, e não vêem o que acontece no lado de fora de seus ateliês e de suas casas. Essa distância entre emissor e receptor, afasta cada vez mais a arte das pessoas comuns da sociedade. Isso explica o sucesso do tobogã instalado no exterior da Bienal pelo artista Carsten Höller. Ele foi o único que criou um elo entre a obra e o público.

Cleisla Garcia, premiada com reportagem sobre Camboja, segue exemplo do jornalismo de Vlado

Cleisla Garcia (a direita) com o senador Eduardo Suplicy, equipe da TV Record e do SBT
Cleisla Garcia (a direita) com o senador Eduardo Suplicy, equipe da TV Record e do SBT

O 30º Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos e Anistia destacou, entre os jornalistas premiados, como Cleisla Garcia, a luta incansável por uma sociedade mais justa. Para os estudantes desta primeira década do século XXI, a história de Vladimir Herzog é tão desconhecida quanto dos milhares de brasileiros que morreram lutando contra a ditadura.

Para nós, estudantes de Jornalismo, é preciso lembrar, sempre. Vladimir Herzog nasceu em 1937, na antiga Iugoslávia, e chegou ao Brasil em 1942. Formou-se em Filosofia na USP e se tornou jornalista do Jornal O Estado de São Paulo em 1959. Sua trajetória no jornalismo foi tão importante quanto no cinema, como documentarista.

Mas, vivendo, como todos os jornalistas, sob o totalitarismo, foi obrigado a prestar depoimento sobre sua relação com o Partido Comunista, na sede do DOI-Codi (Departamento de Operações e Informações, Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo. Na noite do dia 25 de outubro de 1975, aquele que era simpatizante do partido e nunca se envolveu em ações armadas, foi brutalmente torturado e encontrado morto em sua cela, enforcado com um cinto e com os seus joelhos dobrados. A sociedade brasileira nunca aceitou a versão de suicídio criada pelos militares.

Alguns anos depois, foi criado o “Prêmio Vladimir Herzog”, em sua homenagem. A premiação tem como papel ressaltar trabalhos realizados na mídia que tratam de temas relacionados aos Direitos Humanos.
Na noite do último dia 27 de setembro, na 30º edição do Prêmio, no TUCA, teatro da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, a tradição de trazer a memória de jornalistas honrados e defensores dos direitos humanos foi marcada com a presença de Clarice, viúva, e de Ivo, filho de Vladimir Herzog.
Para Cleisla Garcia, repórter da TV Record, premiada também em 2007, na categoria “Reportagem de TV”, com a série “Guerreiras do Brasil”, a menção honrosa de 2008 pela reportagem “Camboja, reino destruído”, é uma honra. Procurei conversar com Cleisla no final da cerimônia de entrega dos prêmios quando já estava indo embora. Corri atrás dela: “Cleisla! Você está com muita pressa?” – perguntei afobado. “Estou um pouquinho. Porque?” respondeu apressada. “Tem como você me dar uma entrevista? É rapidinho.”- insisti. “Posso claro!” disse ela imediatamente. “Mas pode ser lá no lado de fora? É que eu chamei um táxi.”
Foi assim que me apresentei à repórter que esteve em Camboja, como estudante de jornalismo e admirador do seu trabalho. De primeira, perguntei a ela qual era a sensação de ter seu trabalho reconhecido desta maneira. Afinal não era a primeira vez que era premiada.
“O Herzog é um prêmio muito especial. Acho que por conta desta conotação dos Direitos Humanos, por conta da tradição, da humanidade do prêmio e principalmente pelo jornalismo que está em jogo. Ganhar um Herzog de nada tem a ver com a vaidade, é o orgulho de que você está no caminho certo. Isso não deve servir para se envaidecer, mas para você ganhar, cada vez mais, na apuração, se empenhar em temas que por mais dolorosos que sejam, tenham um ponto positivo, que sirva para alguma coisa. Acredito que, depois do Herzog, talvez eu tenha ficado mais exigente, comigo mesma.”

“E como equilibrar sentimento e frieza em coberturas que mexem com o emocional?”, questionei. “Na verdade, para você fazer qualquer coisa bem feita, você tem que acreditar no que está fazendo, depois de acreditar, você tem que se envolver. Eu não acredito em jornalismo sem envolvimento. Isso é uma opinião muito contraditória, mas eu, particularmente, acredito que a sua sensação é o que vai fazer com que quem está te assistindo acreditar naquilo. E acho que eu não tô equivocada, já que encontro nas ruas pessoas dizendo: ‘Nossa quando eu escutei a sua voz realmente achei que você se emocionou.’ Creio que a credibilidade está muito ligada a você acreditar e de alguma maneira se envolver.”
Ouvindo esta resposta imediatamente comentei sobre uma cena da série que ela recebeu o prêmio em 2007: “Foi quando você sentou em um salão de cabeleireiro infantil, e as crianças começaram a te maquiar. Ao olhar no espelho você se assustou, mas disse que estava lindo. Você transmitiu muita emoção naquele momento.” Cleisla, contou o seu método de reportagem:”Na verdade, tem muita coisa que eu faço durante a matéria que a intenção não é usar. É simplesmente ganhar a confiança das meninas, descontrair, chegar onde quer e se divertir um pouco. O resultado, às vezes, surpreende tanto que entra no ar. Nem tudo que você faz vai ser usado, mas geralmente quando o editor volta a fita na máquina, ele fala: ‘Poxa, que bacana. É isso que eu quero!’. Quando você faz com a intenção de aparecer, é diferente e o telespectador sabe. E quando é tudo muito natural, ele também percebe. Então eu acredito muito nisso.”
“E como foi fazer a reportagem no Camboja?” perguntei, curioso. “Foi muito perigoso! Entrar no Camboja de uma maneira clandestina… Fomos lá para abordar outros assuntos muito mais fáceis e acabamos fazendo uma reportagem bastante complicada sobre o tráfico de seres humanos, e, em especial, das crianças e a pedofilia. Então no Camboja todos os momentos foram tensos e por várias vezes a gente achou que não voltaria, até por isso que foi tão marcante. Até passar com as fitas no aeroporto, só podemos respirar aliviados quando chegamos na Tailândia.”
Perguntei como se deu essa infiltração no país e Cleisla explicou: “Entramos como turistas, fomos para Tailândia, e de lá pegamos um trem até a fronteira com o Camboja, descemos um pouco antes e atravessamos a pé como milhares de pessoas fazem.”
Questionada sobre a importância deste trabalho de reportagem, o que mais havia marcado a jornalista, ela nem pensou para responder: “A venda da criança! O pai vendendo a filha.” Durante a gravação da série, um pai tentou vender a própria filha por R$ 80 à equipe de reportagem da TV Record. O olhar daquela criança chocou e emocionou a todos os que assistiram o jornal naquela noite. A jornalista abraçou a menina e chorou, levando com ela, para sempre, o olhar de súplicas daquela garota, que já estava com a vida condenada.
“Para terminar qual que é a dica que você deixa para um estudante de jornalismo?”- perguntei curioso. Direta e firme, aconselhou: “Não desista! Acredite em você. E não acredite em ninguém, que não seja você mesmo.”
Não desistir? Esta é a melhor lição em uma noite que relembramos Vlado e a luta por direitos Humanos no Brasil. São nessas horas que lembro o motivo pelo qual escolhi Jornalismo. Sei que não vou conseguir mudar o mundo sozinho, mas posso contribuir um pouquinho com o meu trabalho. Creio que o Vladimir Herzog estaria muito feliz ao saber que o seu nome tem inspirado trabalhos tão humanos e belos como este de Cleisla.