Memórias do Açoite

 

capa_1382Açoite, marcação a ferro e quebra de dentes e ossos. Eram essas algumas das técnicas de torturas impostas aos negros escravizados pelo Império brasileiro. Anos se passaram, e aqueles que imaginaram que a tortura seria uma página suja e esquecida da nossa história, se assustaram. Com o Regime Militar, técnicas, até mesmo piores do que as impostas aos escravos, voltaram a fazer parte do cotidiano da população. O governo Militar tentou, a qualquer custo, reprimir todos os grupos que não concordavam com a sua ideologia. Eram políticos, intelectuais, nacionalistas, padres progressistas, estudantes e líderes sindicais e comunitários, todos eram considerados inimigos do Estado por defenderem as suas idéias. Para frear o avanços desses “inimigos”, os militares criaram departamentos de repressão, onde eram torturados os suspeitos de envolvimento com algum grupo revolucionário, nacionalistas, patrióticos ou todos que lutavam por um país desenvolvido e democrático.

De acordo com a Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, constitui crime de Tortura: “Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental; Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. E era exatamente isso que os militares faziam. As pessoas eram colocadas em situações extremas de desgaste e sofrimento físico e mental, até os torturadores conseguirem as informações que precisavam, isto quando a tortura não era aplicada por plena crueldade ou prazer.

As técnicas cruéis de torturas aplicadas pelo Regime Militar, eram intermináveis. Um exemplo de tortura é o “eletro choque”. Por meio de dois fios ligados ao corpo da vítima, era descarregado um choque, geralmente na região genital ou nos dentes, língua e dedos. Uma outra técnica que foi muito utilizada pelos torturadores foi o “Pau-de-Arara”, método que matou várias pessoas, inclusive o jornalista e militante do Partido Operário Comunista Luiz Eduardo Merlino.

Merlino morreu após ser torturado com choques e sessões de afogamento durante horas em uma barra de ferro que atravessava seus punhos amarrados à dobra dos joelhos, sendo colocado entre duas mesas, ficando pendurado. Segundo presos que viram a morte do jornalista, ele reclamava de fortes dores nas pernas, e não recebeu nenhum tratamento médico, apenas massagens acompanhadas com grosseiros comentários do enfermeiro de plantão ao chefe da equipe. “Capitão, o Merlino está reclamando de dores nas pernas e que não pode fazer pipi. Vai ver que andou demais durante a noite”, e os torturadores puseram-se a rir.

Outro método utilizado pelos militares era a “Picada”. Agulhas ou farpas de madeiras eram enfiadas entre a carne dos dedos e as unhas do torturado, causando dores pungentes. O pior é que até hoje essa forma de tortura aparece em denúncias contra o BOPE, Tropa de Elite do Rio de Janeiro, o que mostra que a tortura ainda faz parte da vida de muitos brasileiros.

A maldade e criatividade dos torturadores eram intermináveis, muitos outros métodos eram utilizados. Um dos exemplos é o “telefone”, em que o torturado recebia tapas com as mãos em forma de conchas nos dois ouvidos ao mesmo tempo, que além de provocar fortes dores, podia causar surdez.
Outra forma de tortura era o “Golfinho”. A vítima era colocada em uma caixa d’água com dois fios de eletricidade. Com a corrente elétrica, o torturado se contorcia como um golfinho. A “Geladeira” era outra prática de tortura, os presos ficavam pelados numa cela baixa e pequena, que os impedia de ficar de pé. Depois, os torturadores alternavam um sistema de refrigeração superfrio e um sistema de aquecimento que produzia calor insuportável, enquanto alto-falantes emitiam sons irritantes. Os presos ficavam na “geladeira” por vários dias, sem água ou comida.

No livro “Autópsia do Medo”, o jornalista Percival de Souza dá alguns exemplos de métodos utilizados pelo Delegado Sérgio Paranhos Fleury, em presídios de São Paulo. Em um deles o preso era obrigado a mergulhar em um poço até não conseguir mais respirar, ao sair era recebido com um golpe na cabeça, sendo obrigado a mergulhar de novo, isto durava horas.
Atualmente, vários grupos denunciam e processam os agentes da totura do Regime Militar, como o Grupo Tortura Nunca Mais e o Fórum Permamente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo. Como resultado dessa luta, recentemente, o Coronel Alberto Brilhante Ustra foi condenado moral e politicamente por torturar cinco pessoas da família Teles, incluindo duas crianças nas celas do DOI-Codi (Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna).

Em entrevista à revista Carta Maior, Maria Amélia Teles fala sobre o período que passou sob a crueldade de Ustra: “Ele foi o primeiro a me dar um tapa na cara, quando ainda estava no Pátio da Operação Bandeirantes (Oban). Me jogou no chão com aquele tapa. Me torturou pessoalmente. Também foi ele quem mandou invadir a minha casa, buscar todo mundo que estava lá. Meus filhos e minha irmã. Durante cerca de 10 dias, minhas crianças ficaram na Oban. Me viram sendo torturada na cadeira de dragão, me viram cheia de hematomas, com o rosto desfigurado, dentro da cela. Nessa semana, em que meus filhos estavam por ali, eles falavam que os dois estavam sendo torturados. Disseram: ‘Nessas alturas, sua Janaína já está dentro de um caixãozinho’. Disseram também que eu ia ser morta. Isso foi o tempo todo. O tempo todo, o terror. Ali era um inferno”.
A condenação do Coronel Ustra é apenas um pequeno passo, muito ainda deve ser feito. Vários torturadores continuam impunes de seus crimes. Nunca devemos esquecer desse período obscuro da nossa história. Não para lembrar das dores sofridas pelos torturados, mas para não permitir que essa dor volte a fazer parte da vida dos brasileiros. Tortura Nunca Mais!

Coloboração: Marília Lino

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